
E, é importante não se olvidar que, apesar da tendência atualmente demonstrada pela doutrina e até mesmo pela jurisprudência pátria, no sentido de relativizar, em outras hipóteses, a coisa julgada material, vale ressaltar que ainda prevalece o valor “segurança jurídica” sobre o valor “justiça da decisão”!
Em virtude da relevância que tem a ação rescisória no ordenamento jurídico nacional, em nosso sentir, faz-se mister trazer a lume e esclarecer alguns equívocos cometidos pelo legislador pátrio ao redigir o art. 485 da nossa Lei Adjetiva Civil, objetivando evitar que interpretações apressadas venham a restringir o exercício desse importante meio de impugnação aos jurisdicionados.
Preliminarmente, apenas a título de esclarecimento, vale lembrar que a ação rescisória não é um recurso! É um meio autônomo de se impugnar uma decisão judicial já transitada em julgada.
Para evitar confusão entre esses dois meios de impugnação, é oportuno ter sempre em mente um bom conceito de recurso.
Entendemos ser o recurso um ônus processual consistente no exercício do duplo grau de jurisdição por qualquer uma das partes de uma lide (jurisdição contenciosa), ou, qualquer um dos interessados, no caso de um conflito de interesses (jurisdição voluntária), via de regra, através da provocação do órgão jurisdicional hierárquico imediatamente superior ao que prolatou a decisão impugnada, objetivando sanar um inconformismo com a reapreciação da referida decisão dentro do prazo legal, antes que a mesma transite em julgado.
O primeiro ponto a ser tratado é o caput do art. 485 do CPC. Ao se interpretar este dispositivo, é imprescindível considerar que o legislador, ao redigi-lo, disse bem menos do que queria, ou, pelo menos, do que deveria dizer, pois, procedendo a sua leitura: “Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...]” e utilizando-nos do método de interpretação literal, iremos, fatalmente, restringir o âmbito de aplicação da ação rescisória apenas às “sentenças” de mérito, o que é inexoravelmente inconcebível!
Dizemos inexoravelmente inconcebível porque conceituamos “sentença” como o ato judicial tipicamente monocrático, cuja finalidade é resolver definitivamente uma questão de fundo dentro do processo, a qual, vale dizer, pode ou não ser a única questão nuclear, essencial ou substancial sub examine na lide, e, por isso mesmo, tal ato judicial nem sempre põe fim ao processo, como levava a crer o conceito clássico legal de sentença (antigo artigo 162, § 1.º do CPC).
Portanto, a partir do conceito de sentença acima apresentado, fica claro que, na verdade, não é apenas a “sentença” de mérito que é rescindível. São rescindíveis todas as decisões judiciais de mérito transitadas em julgado, o que inclui tanto as decisões interlocutórias de mérito como os acórdãos, desde que estejam eivados de qualquer um dos vícios taxativamente elencados no dispositivo legal em análise.
Então, é relevante saber o seguinte: para que uma decisão judicial possa ser impugnada através de ação rescisória, a exigência legal é que a decisão (monocrática ou colegiada), eivada de um dos vícios do art. 485 do CPC, tenha apreciado o mérito da questão sub judice, e que a mesma esteja transitada em julgado, isto é, faz-se mister que dessa decisão não caiba mais recurso ordinário algum, enfim, é necessário que a decisão judicial já esteja acobertada pela autoridade de coisa julgada material (autoritas rei judicata).
O segundo ponto a ser analisado é o inciso VIII do art. 485, segundo o qual, a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença. Aqui, nota-se que o legislador nacional utilizou o vocábulo “desistência” equivocadamente neste dispositivo, pois, deveria ter se referido à renúncia, haja vista que, juridicamente falando, a desistência enseja a extinção do processo sem resolução de mérito, conforme dispõe o artigo 267, inc. VIII do CPC, o que contraria totalmente a principal exigência legal feita pelo próprio legislador, qual seja, a existência de uma decisão de mérito.
Neste caso, devemos ter em mente que, havendo “desistência”, há toda possibilidade de re-propositura da ação, simplesmente porque não há formação da coisa julgada material. Portanto, é indubitável que a expressão está tecnicamente incorreta, e, que, para fins de cabimento da ação rescisória, devemos considerar a expressão “renúncia”, pois, esta sim, culmina numa decisão de mérito. Tendo em vista que, nessa hipótese, o autor renuncia ao direito sobre o qual se funda a ação, e o pedido é julgado improcedente ensejando a extinção do processo com resolução de mérito, conforme preceitua o artigo 269, inc. V do CPC, e, fazendo, conseqüentemente, coisa julgada material.
Então, sendo assim, na presença de formação da coisa julgada material, conclui-se que o autor ficará impossibilitado de propor novamente a ação, e, caso queira desconstituir essa decisão por ter fundamento que invalide a renúncia na qual se baseou a decisão, deverá utilizar-se, necessariamente, da ação rescisória.
Ainda no tocante ao inciso VIII do art. 485 do CPC, percebe-se outra imprecisão do legislador, é quando ele se refere à “transação em que se baseou a sentença”, pois, é cediço que, uma sentença, tecnicamente, jamais pode se basear numa transação! O que ocorre aqui, no máximo, é uma homologação da transação pela sentença.
Portanto, pela inteligência do artigo 486 do CPC, pode-se concluir que, havendo qualquer vício na transação, a ação cabível para impugnar a sentença homologatória é a ação anulatória e não a ação rescisória, pois, ao prolatar sentença homologatória, nesse caso também, o juiz não proferiu sentença de mérito, uma vez que não decidiu sobre o mérito da questão, mas tão somente homologou um ato praticado entre as partes, qual seja: a transação; não havendo, pois, o que se falar em coisa julgada material.
Estes breves apontamentos têm como objetivo precípuo apenas pôr em evidência alguns aspectos relevantes sobre o art. 485 do CPC, mais especificamente as imprecisões e os equívocos cometidos pelo legislador, ao disciplinar a ação rescisória. Aspectos estes que, ao nosso ver, não podem ser desprezados pelo operador do Direito, sob pena de vir a restringir por demais o âmbito de aplicação desse precioso meio autônomo de impugnação das decisões judiciais, que, quando bem utilizado, é de grande valia para o jurisdicionado.
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