Entrevista com Gilmar Mendes em 17/06/2020
A aproximação
entre os militares e o governo federal promovida pelo presidente Jair
Bolsonaro começa a dar sinais de desgaste para as Forças Armadas, e
integrantes da caserna preocupados com seu papel institucional já
percebem o fenômeno e começam a fazer uma autocrítica interna. A
avaliação é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), que se reuniu na última semana com o comandante do Exército,
general Edson Leal Pujol, para "abrir um canal de conversa".
Em entrevista à DW
Brasil, concedida em seu gabinete, ontem, o ministro disse considerar
possível que militares do Alto Comando venham a público afirmar seu
distanciamento do governo. "Saíram pesquisas que indicam que
está havendo uma identificação entre as Forças Armadas e o
governo Bolsonaro, em tom negativo. Acho que isso vai se perceber. No
caso da Saúde, está sendo altamente desgastante", diz. "Tenho
dito que as Forças Armadas não são milícias do presidente da
República, nem de força política que o apoie."
Ao mesmo tempo,
Mendes colocou em dúvida a autoridade do ministro da Defesa,
Fernando Azevedo, para falar em nome dos militares. Na última
sexta-feira, Bolsonaro divulgou uma nota, também assinada por
Azevedo e pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmando que as
Forças Armadas "não aceitam tentativas de tomada de Poder por
outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de
julgamentos políticos" – há ações sob análise do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) que pedem a cassação da chapa eleita em
2018 e diversos pedidos de impeachment do presidente foram
apresentados à Câmara.
"O que há de
impróprio nessa nota é invocar as Forças Armadas, cujos
comandantes não têm falado, e quando sugerem alguma ação, não é
nesse sentido. […] A mim parece que aqui há uma impropriedade
quando dizem que as Forças Armadas não farão nenhuma intervenção,
mas, ao mesmo tempo, eles falam em nome das Forças Armadas. Com que
autoridade? [...] Muitas das interpretações que foram dadas pelo
Ministério da Defesa não parecem que são subscritas pelas Forças
Armadas", diz.
Questionado se as
instituições brasileiras atravessam uma fase de degradação,
Mendes afirma que elas estão funcionando normalmente, ainda que sob
"estresse" inédito desde a Constituição de 1988. "O
governo tem dificuldade de dialogar, não só conosco, mas com o
próprio Congresso Nacional. E gostaria que as coisas funcionassem a
partir de uma certa atemorização. Mas isso não funciona",
afirma.
Segundo Mendes, o
presidente do STF, Dias Toffoli, tentou construir um diálogo
amistoso com o governo desde o final de 2018 para evitar "rusgas"
entre Executivo e Judiciário, mas percebeu a necessidade de ser mais
enfático após o ataque com fogos de artifício realizado por
apoiadores de Bolsonaro contra o prédio do Supremo no último
sábado.
DW Brasil: As
instituições brasileiras passam por um processo de degradação ou
estão funcionando normalmente?
Gilmar Mendes:
Estamos vivendo momentos de estresse que não tínhamos experimentado
sob a Constituição de 88. Passamos por várias crises, dois
impeachments presidenciais, julgamentos complexos como o mensalão,
mas não tivemos um estresse tão intenso como este. Isso decorre das
peculiaridades do governo eleito.
O presidente se
elegeu numa onda, que somou pessoas da direita, talvez da
centro-esquerda, todos aqueles que queriam derrotar o PT, e também
alguns extremistas, que tinham mensagens de volta à ditadura, de
intervenção militar. Esse grupo tem sido um elemento perturbador.
Cobra do presidente, e o presidente os considera porque são
ativistas da rede. Neste ano, depois da pandemia, os atritos se
agravaram muito, [assim como] a presença do presidente em
manifestações antidemocráticas.
Temos cumprido nosso
papel, fazendo o controle de constitucionalidade, aprovamos muitas
medidas, também reprovamos algumas relevantes. Tem havido também
algum problema com o Congresso, como a medida provisória que
permitia a nomeação de reitores temporariamente enquanto durasse [a
pandemia], devolvida pelo presidente do Congresso.
Há uma decisão da
qual o presidente reclama muito, que é a questão do papel da União
no concerto federativo [para o combate à pandemia]. O Supremo
sugeriu que houvesse um trabalho conjunto, como já acontece hoje com
o SUS, e enfatizou que a responsabilidade em cada local seria dos
governadores e dos prefeitos. Isso levou o presidente a dizer que
"vocês estão esvaziando a minha caneta", porque a
preocupação dele era a ideia de voltar com a economia, encerrar com
o isolamento. Isso explica muitos dos ataques que o tribunal tem
sofrido, mas foi fundamental porque foi o que ajudou a manter, ainda
em grau razoável, o isolamento.
Temos também o
inquérito das fake news, que vem desde o ano passado e cujo
responsável pela condução está tomando providência. Isso bate em
fraturas existentes no governo, na base governamental e no partido do
governo, porque sugere-se que há práticas de fake news,
financiamentos, indevidos de fake news e coisas do tipo.
O sr. não vê
degradação então?
As instituições
estão funcionando, com esse permanente estresse: ataques,
manifestações, acampamentos, o episódio dos fogos, a história das
tochas. Mas estamos funcionando na normalidade. As ordens judiciais
estão sendo cumpridas. O Congresso Nacional tem aceitado medidas e
rejeitado medidas. As instituições não se atemorizaram por conta
de ameaças, e os órgãos de controle estão exercendo as suas
funções.
O sr. tem postado
mensagens no Twitter com a hashtag #DitaduraNuncaMais. O sr. vê hoje
alguma ameaça à democracia?
Porque a toda hora
nesses grupamentos há a defesa da intervenção militar, artigo 142
[da Constituição]. Está no texto constitucional que os militares
podem atuar para preservar a lei e a ordem a pedido de qualquer dos
poderes. E isso tem sido utilizado ao longo dos anos, se você olhar
nas crises com as polícias dos estados, greves, motins. Agora, eles
passaram a dar uma interpretação do artigo 142 que tem a ver com
uma abordagem que não se coloca. O [ex-]presidente Fernando Henrique
[Cardoso], que foi autor, junto com o senador [José] Richa, desse
texto, diz que não tem nenhuma conotação de permitir que as Forças
Armadas sejam árbitro no conflito entre Poderes. Mas se usa isso
para tentar amedrontar e constranger as instituições. Houve aquele
episódio em que o presidente foi a uma manifestação em frente ao
quartel-general [do Exército] e, em função disso, abriu-se um
inquérito no Supremo Tribunal Federal. E hoje o ministro Alexandre
[de Moraes] tomou medidas nesse sentido, quebrou o sigilo, está
fazendo busca e apreensão.
Os alvos de buscas e
apreensões desta terça são pessoas próximas do presidente, que o
apoiam e financiam o partido que ele pretende criar. Qual a opinião
do sr. sobre a participação do presidente em atos considerados
antidemocráticos?
Já tive
oportunidade, numa conversa que tive com ele, de dizer que ele não
deveria comparecer a essas manifestações que ecoam mensagens
antidemocráticas, como de fechamento do Congresso ou do Supremo
Tribunal Federal. Mas ele acaba comparecendo, como vimos naquela em
que ele veio de helicóptero, desceu, tomou um cavalo da polícia
para andar. Ele faz para manter esse jogo de ambiguidade, de alguma
forma quer cultivar os seus aliados. Essas manifestações vêm tendo
participação reduzida. Acaba tendo repercussão na mídia porque o
presidente participa, mas, a rigor, estão cada vez mais esvaziadas.
Por outro lado, estão surgindo movimentos de defesa da democracia,
como nós vimos há duas semanas em São Paulo, movimentos
expressivos. Entendo que as instituições são resilientes e vão se
fortalecer. Mas é inegável que há esse elemento de estresse.
Em decisão recente,
o ministro Fux afastou a interpretação de que o artigo 142
autorizaria as Forças Armadas a atuarem como Poder Moderador. Depois
disso, na sexta-feira (12/06), Bolsonaro divulgou uma nota, também
assinada pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, e pelo ministro da
Defesa, Fernando Azevedo, afirmando que as Forças Armadas "não
aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República,
ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos".
Como o sr. interpretou essa nota?
Tenho a impressão
de que se tenta constranger os Poderes, mas isso não tem inibido
nenhuma ação. Ainda há pouco, o ministro [Luís Roberto] Barroso,
que preside o TSE, disse que o TSE fará o que tem que fazer. Não
vejo nenhum efeito. O que há de impróprio nessa nota é invocar as
Forças Armadas, cujos comandantes não têm falado, e quando sugerem
alguma ação, não é nesse sentido. Tenho dito que as Forças
Armadas não são milícias do presidente da República, nem de força
política que o apoie. A mim parece que aqui há uma impropriedade
quando dizem que as Forças Armadas não farão nenhuma intervenção
mas, ao mesmo tempo, eles falam em nome das Forças Armadas. Com que
autoridade?
O Ministro da Defesa
foi um dos que assinaram essa nota.
Pois é. Mas já
tivemos casos em que o ministro da Defesa assinou nota em nome das
Forças Armadas e depois teve que dizer que estava fazendo em nome
próprio.
O sr. se encontrou
na semana passada com o comandante do Exército, general Edson Leal
Pujol. Como foi a conversa?
Me preocupei porque
há versões entre os militares de que as instituições impedem o
presidente de governar. Me preocupei em explicar as decisões e
porque têm sido tomadas. Temos uma relação com os militares há
muitos anos, e era importante explicar, por exemplo, sobre a questão
federativa, e abrir um canal de conversa nesse sentido. Muitas das
interpretações que foram dadas pelo Ministério da Defesa não
parecem que são subscritas pelas Forças Armadas.
Essa foi a impressão
do sr. dessa conversa?
A impressão geral é
essa. O governo tem dificuldade de dialogar, não só conosco, mas
com o próprio Congresso Nacional. E gostaria que as coisas
funcionassem a partir de uma certa atemorização. Mas isso não funciona. O país é muito complexo e
tem uma economia muito diversificada. E tem instituições fortes que
vêm funcionando ao longo de anos, de uma maneira normal.
Fonte: Blog do Magno
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