Diz a doutrina – e confirma a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) – que a responsabilização civil exige a existência do
dano. O dever de indenizar existe na medida da extensão do dano, que deve ser
certo (possível, real, aferível). Mas até que ponto a jurisprudência afasta
esse requisito de certeza e admite a possibilidade de reparação do dano
meramente presumido?
O dano moral é aquele que afeta a personalidade e, de alguma
forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. Doutrinadores têm defendido que
o prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado in re ipsa (pela força
dos próprios fatos). Pela dimensão do fato, é impossível deixar de imaginar em
determinados casos que o prejuízo aconteceu – por exemplo, quando se perde um
filho.
No entanto, a jurisprudência não tem mais considerado este
um caráter absoluto. Em 2008, ao decidir sobre a responsabilidade do estado por
suposto dano moral a uma pessoa denunciada por um crime e posteriormente
inocentada, a Primeira Turma entendeu que, para que “se viabilize pedido de
reparação, é necessário que o dano moral seja comprovado mediante demonstração
cabal de que a instauração do procedimento se deu de forma injusta,
despropositada, e de má-fé” (REsp 969.097).
Em outro caso, julgado em 2003, a Terceira Turma entendeu
que, para que se viabilize pedido de reparação fundado na abertura de inquérito
policial, é necessário que o dano moral seja comprovado.
A prova, de acordo com o relator, ministro Castro Filho,
surgiria da “demonstração cabal de que a instauração do procedimento,
posteriormente arquivado, se deu de forma injusta e despropositada, refletindo
na vida pessoal do autor, acarretando-lhe, além dos aborrecimentos naturais,
dano concreto, seja em face de suas relações profissionais e sociais, seja em
face de suas relações familiares” (REsp 494.867).
Cadastro de inadimplentes
No caso do dano in re ipsa, não é necessária a apresentação
de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio fato já configura
o dano. Uma das hipóteses é o dano provocado pela inserção de nome de forma
indevida em cadastro de inadimplentes.
Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), Cadastro de
Inadimplência (Cadin) e Serasa, por exemplo, são bancos de dados que armazenam
informações sobre dívidas vencidas e não pagas, além de registros como protesto
de título, ações judiciais e cheques sem fundos. Os cadastros dificultam a
concessão do crédito, já que, por não terem realizado o pagamento de dívidas,
as pessoas recebem tratamento mais cuidadoso das instituições financeiras.
Uma pessoa que tem seu nome sujo, ou seja, inserido nesses
cadastros, terá restrições financeiras. Os nomes podem ficar inscritos nos
cadastros por um período máximo de cinco anos, desde que a pessoa não deixe de
pagar outras dívidas no período.
No STJ, é consolidado o entendimento de que “a própria
inclusão ou manutenção equivocada configura o dano moral in re ipsa, ou seja,
dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são
presumidos” (Ag 1.379.761).
Esse foi também o entendimento da Terceira Turma, em 2008,
ao julgar um recurso especial envolvendo a Companhia Ultragaz S/A e uma
microempresa (REsp 1.059.663). No julgamento, ficou decidido que a inscrição
indevida em cadastros de inadimplentes caracteriza o dano moral como presumido
e, dessa forma, dispensa a comprovação mesmo que a prejudicada seja pessoa
jurídica.
Responsabilidade bancária
Quando a inclusão indevida é feita em consequência de
serviço deficiente prestado por uma instituição bancária, a responsabilidade
pelos danos morais é do próprio banco, que causa desconforto e abalo psíquico
ao cliente.
O entendimento foi da Terceira Turma, ao julgar recurso
especial envolvendo um correntista do Unibanco. Ele quitou todos os débitos
pendentes antes de encerrar sua conta e, mesmo assim, teve seu nome incluído
nos cadastros de proteção ao crédito, causando uma série de constrangimentos
(REsp 786.239).
A responsabilidade também é atribuída ao banco quando talões
de cheques são extraviados e, posteriormente, utilizados por terceiros e
devolvidos, culminando na inclusão do nome do correntista em cadastro de
inadimplentes (Ag 1.295.732 e REsp 1.087.487). O fato também caracteriza
defeito na prestação do serviço, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do
Consumidor (CDC).
O dano, no entanto, não gera dever de indenizar quando a
vítima do erro que já possuir registros anteriores, e legítimos, em cadastro de
inadimplentes. Neste caso, diz a Súmula 385 do STJ que a pessoa não pode se
sentir ofendida pela nova inscrição, ainda que equivocada.
Atraso de voo
Outro tipo de dano moral presumido é aquele que decorre de
atrasos de voos, o chamado overbooking. A responsabilidade é do causador, pelo
desconforto, aflição e transtornos causados ao passageiro que arcou com o
pagamentos daquele serviço, prestado de forma defeituosa.
Em 2009, ao analisar um caso de atraso de voo internacional,
a Quarta Turma reafirmou o entendimento de que “o dano moral decorrente de
atraso de voo prescinde de prova, sendo que a responsabilidade de seu causador
opera-se in re ipsa” (REsp 299.532).
O transportador responde pelo atraso de voo internacional,
tanto pelo Código de Defesa do Consumidor como pela Convenção de Varsóvia, que
unifica as regras sobre o transporte aéreo internacional e enuncia: “responde o
transportador pelo dano proveniente do atraso, no transporte aéreo de
viajantes, bagagens ou mercadorias”.
Desta forma, “o dano existe e deve ser reparado. O
descumprimento dos horários, por horas a fio, significa serviço prestado de
modo imperfeito que enseja reparação”, finalizou o relator, o então
desembargador convocado Honildo Amaral.
A tese de que a responsabilidade pelo dano presumido é da
empresa de aviação foi utilizada, em 2011, pela Terceira Turma, no julgamento
um agravo de instrumento que envolvia a empresa TAM. Neste caso, houve
overbooking e atraso no embarque do passageiro em voo internacional.
O ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, enfatizou
que “o dano moral decorre da demora ou dos transtornos suportados pelo passageiro
e da negligência da empresa, pelo que não viola a lei o julgado que defere a
indenização para a cobertura de tais danos” (Ag 1.410.645).
Diploma sem reconhecimento
Alunos que concluíram o curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Católica de Pelotas, e não puderam exercer a profissão por falta
de diploma reconhecido pelo Ministério da Educação, tiveram o dano moral
presumido reconhecido pelo STJ (REsp 631.204).
Na ocasião, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu
que, por não ter a instituição de ensino alertado os alunos sobre o risco de
não receberem o registro de diploma na conclusão do curso, justificava-se a
presunção do dano, levando em conta os danos psicológicos causados. Para a
Terceira Turma, a demora na concessão do diploma expõe ao ridículo o
“pseudoprofissional”, que conclui o curso mas se vê impedido de exercer
qualquer atividade a ele correlata.
O STJ negou, entretanto, a concessão do pedido de
indenização por danos materiais. O fato de não estarem todos os autores empregados
não poderia ser tido como consequência da demora na entrega do diploma. A
relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou, em seu voto, que, ao contrário do
dano moral, o dano material não pode ser presumido. Como não havia relatos de
que eles teriam sofrido perdas reais com o atraso do diploma, a comprovação dos
prejuízos materiais não foi feita.
Equívoco administrativo
Em 2003, a Primeira Turma julgou um recurso especial
envolvendo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Sul
(DAER/RS) e entendeu que danos morais provocados por equívocos em atos
administrativos podem ser presumidos.
Na ocasião, por erro de registro do órgão, um homem teve de
pagar uma multa indevida. A multa de trânsito indevidamente cobrada foi
considerada pela Terceira Turma, no caso, como indenizável por danos morais e o
órgão foi condenado ao pagamento de dez vezes esse valor. A decisão significava
um precedente para “que os atos administrativos sejam realizados com perfeição,
compreendendo a efetiva execução do que é almejado” (REsp 608.918).
Para o relator, ministro José Delgado, “o cidadão não pode
ser compelido a suportar as consequências da má organização, abuso e falta de
eficiência daqueles que devem, com toda boa vontade, solicitude e cortesia,
atender ao público”.
De acordo com a decisão, o dano moral presumido foi
comprovado pela cobrança de algo que já havia sido superado, colocando o
licenciamento do automóvel sob condição do novo pagamento da multa. “É dever da
administração pública primar pelo atendimento ágil e eficiente de modo a não
deixar prejudicados os interesses da sociedade”, concluiu.
Credibilidade desviada
A inclusão indevida e equivocada de nomes de médicos em guia
orientador de plano de saúde gerou, no STJ, o dever de indenizar por ser dano
presumido. Foi esse o posicionamento da Quarta Turma ao negar recurso especial
interposto pela Assistência Médica Internacional (Amil) e Gestão em Saúde, em
2011.
O livro serve de guia para os usuários do plano de saúde e
trouxe o nome dos médicos sem que eles fossem ao menos procurados pelo
representante das seguradoras para negociações a respeito de credenciamento
junto àquelas empresas. Os profissionais só ficaram sabendo que os nomes
estavam no documento quando passaram a receber ligações de pacientes
interessados no serviço pelo convênio.
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso
especial, “a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos
caracteriza o dano, sendo dispensável a demonstração do prejuízo material ou
moral” (REsp 1.020.936).
No julgamento, o ministro Salomão advertiu que a seguradora
não deve desviar credibilidade dos profissionais para o plano de saúde,
incluindo indevidamente seus nomes no guia destinado aos pacientes. Esse ato,
“constitui dano presumido à imagem, gerador de direito à indenização,
salientando-se, aliás, inexistir necessidade de comprovação de qualquer
prejuízo”, acrescentou.
Fonte: Portal STJ
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